“Subjetividade, memória e escrita em Fernando Pessoa e Jorge Luís Borges”.
Os estudos sobre a literatura comparada, pela perspectiva dos estudos feitos pela Professora Sabrina Sedlmayer sobre “Subjetividade, memória e escrita em Fernando Pessoa e Jorge Luís Borges”, permite-nos observar comparativamente que diversos autores, no processo de criação utilizam-se de uma memória reconstruída, um processo de recriação do passado, uma reelaboração de perspectivas já traçadas por outros autores. Por essa perspectiva a escrita é como uma constante reedição dada por diferentes autores, sobre temas comuns, em uma história que nunca tem fim, mas sofre transformações contínuas através da subjetividade do escritor.
Segundo Sabrina Sedlmayer, a memória em Borges e Pessoa não é entendida como reminiscência do passado e uma busca inquietante dos detalhes que se perdem pela dificuldade da relembrança, mas em uma reconstrução do passado no presente, ou seja, passado e presente são construídos paralelamente no presente. Nessa perspectiva, que descarta uma memória seqüencial, em detrimento a uma construção paralela, o Professor Marcos Rogério Fernandes, em sua palestra, cita uma “relação entre um presente e passado que se unem num mesmo agora”. Onde modernidade acontece pela união entre o tradicional e o moderno. Sendo assim, cada época vive a sua modernidade, o que era moderno no século XVI, por exemplo, criticava e denominava tradicional o modelo ou estilo que o precedia.
A noção de original e cópia, como uma superioridade cultural do modelo sobre a cópia, perde sua força, ao analisar a história da literatura mundial. As grandes obras européias, tem indiscutivelmente seu valor, mas não com superioridade ou autenticidade. Segundo Barthes:
Obras como as de Dante, de Shakespeare ou Cervantes suportam há séculos leituras as mais diferentes e, no entanto, permanecem com núcleos de interesse inalterados, permitindo aos leitores acréscimos, modificações, um número cada vez maior de aproximações diferentes. Por isso mesmo, pode-se dizer que são as mesmas desde que foram escritas e publicadas e, todavia são diversas: cada século teve seu Dante, o seu Shakespeare, o seu Cervantes, sem que, entretanto, sejam autores inteiramente diferentes daqueles que foram lidos e apreciados por seus públicos imediatos. ¹
Uma obra “autêntica”, seja ela qual for, nada mais é do que uma releitura, um apanhado de textos e pensamentos, a partir de contextos históricos, políticos, econômicos e sociais, que permitem ao escritor e ao leitor novas perspectivas sobre uma obra.
O artista não coloca em absoluto a “realidade” na origem do seu discurso mas, unicamente e sempre, por mais longe que se remonte, um real já escrito, um código prospectivo, ao longo do qual não apreendemos nunca, a perder de vista, senão uma cadeia de cópias. ²
É como se o passado fosse uma criação do presente, e convivem paralelamente refletidos na literatura e vice-versa. Para que as transformações artísticas e sociais aconteçam, existe um constante diálogo entre literatura e mundo, um incansável exercício de memória, mas uma memória seletiva. O presente cria o passado, dentro de um esquema de escolhas e intenções. Fish, destaca:
A intenção e a compreensão são dois lados do mesmo ato convencional, cada um supondo (incluindo, definindo, especificando) o outro. Desenhar o perfil do leitor informado ou competente é ao mesmo tempo caracterizar a intenção do autor e vice-versa, porque criar um ou outro é especificar as condições contemporâneas de enunciação, identificar a comunidade daqueles que partilham as mesmas estratégias interpretativas, tornando-se membro dela. ³
Esse homem subjetivo e complexo compõe uma obra que une fragmentos, de varias obras, contextos e perspectivas que têm sobre o mundo e sobre si. Não há como representar o passado tal como era - fatos que ocorreram num dado momento e que são transmitidos por gerações como verdades incontestáveis. Segundo Sedlmayer: “A leitura faz suas escolhas, suas prioridades”. A partir de Foucault, as noções sobre uma realidade incontestável são cada vez mais debatidas, especialmente ao falar sobre história, realidade e mundo.
Outro ponto fundamental abordado em Borges é a interação autor, leitor e obra. E essencialmente por essa perspectiva deve-se entender a memória como fundamental para a escrita e leitura. Quando o leitor se depara com um texto, essa obra ganha novas proporções e dependendo do momento, situação econômica e social ou cultural, percebe-se claramente que não há uma verdade, mas várias. Não há uma obra, mas infinitas obras sendo reinventadas a partir de perspectivas subjetivas do “leitor-autor-leitor”.
A experiência da leitura, como toda experiência humana, é fatalmente uma experiência dual, ambígua, dividida: entre compreender e amar, entre filologia e a alegoria, entre a liberdade e a imposição, entre a atenção ao outro e a preocupação consigo mesmo (...) 4
Referências
BARBOSA, João Alexandre, et al A Biblioteca imaginária – A Literatura como conhecimento Leituras e Releituras. Ateliê Editoria, São Paulo, 1996. Pág.77.
COMPAGNON, Antonie, et al O Demônio da Teoria Literaturas e senso comum - O Mundo. Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2003. Pág 110.
COMPAGNON, Antonie, et al O Demônio da Teoria Literaturas e senso comum - O Leitor. Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2001. Pág 161.
COMPAGNON, Antonie, et al O Demônio da Teoria Literaturas e senso comum - O Leitor. Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2001. Pág 164.
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